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quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

MEMORIAR-SE


“Fecho meus olhos para poder ver”, escreveu certa feita Paul Gaugin. Resolvi fazer o mesmo. Lá se vão algumas décadas desde que comecei a fechar os olhos, todos os dias, para poder me ver melhor. No começo ficava mesmo um tempo em casa, quieta, com um lenço de seda lilás sobre os olhos, viajando sabe Deus para que paragens da minha memória, reencontrando pessoas, cenas, cheiros, músicas, reescrevendo histórias que ficaram sem arremate. Tudo ia para o papel. Logo de início descobri que até escrevia direitinho quando conseguia dispensar o juiz que morava dentro de mim e nem sabia! Ele foi exonerado do cargo de me julgar e obrigar a fazer tudo perfeito, de forma que comecei a “escrever imperfeito”, e a gostar!
Depois, como a correria do dia-a-dia foi aumentando, habituei-me a fazê-lo de olhos bem abertos: na fila do banco, nas caminhadas, no cinema, onde quer que estivesse e o que visse fizesse liga com alguma coisa lá dentro: já para o bloquinho! Minha casa precisou de mais estantes, e a bolsa teve que aumentar de tamanho: bloquinho já não servia mais… Raramente reli o que escrevi, mas algo foi mudando. Uma parceira de diálogos nasceu e cresceu em mim, à medida que me dava voz. A vida ganhou muitas cores!
Outra frase forte em minha vida me acompanha desde “lá longe”… de quando era menina. Estava diante do meu armário de brinquedos com minha avó, fazendo catação para doar no natal. E não é que não queria me desfazer de nada??!! Ela me levou para a área de serviço, que era muito úmida, mostrou-me alguns utensíllios cheios de bolor, e disse: “olha só, o que guardamos além do tempo, mofa, e não serve para nada nem ninguém!” Sem gostar muito, mas entendendo o sentido, concordei: bonecas e brinquedos foram para outras crianças, depois fui com ela arrumar a área.
De certa forma fiz o mesmo com minhas “escrituras”. Fiz catação na estante, e selecionei algumas delas para publicar.
Dois livros já foram para as prateleiras das livrarias: um conta contos – ALMAGESTO.  O outro – FIOS DA MEMÓRIA – em parceria com uma grande amiga, Helena Silveira, quer estimular mulheres a se olharem, como Gaugin fez comigo um dia!
Depois dos lançamentos, a grande surpresa: pessoas me escrevem de volta, contando sobre a diferença que os livros fizeram em suas vidas, sobre a recuperação de um sentido de conexão consigo.
Gosto de responder citando Martha Graham, outra pessoa cujas palavras e atitudes mudaram minha vida: “Há uma vitalidade, uma força vital, uma energia, um estímulo que se traduz em você pelo seu ato, por que só há um de você o tempo todo: essa expressão é única. Se você a detém, ela nunca existirá por nenhum outro meio e se perderá. (…) Você tem que se manter aberto e alerta para o anseio que te motiva (…) uma inquietação bendita que nos impulsiona e nos faz mais vivos que os demais”.
Este artigo foi escrito por Adriana Kortlandt é psicóloga clínica. Publicou pela Thesaurus Editora de Brasília: ALMAGESTO – Contos Aníminos e FIOS DA MEMÓRIA – Um Guia para Escrever de Si em 30 de novembro de 2011 às 17:32, e está arquivado em Espiritualidade.

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