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sexta-feira, 7 de outubro de 2011

CAMELOS TAMBÉM CHORAM

Leiam o texto e , só depois, vejam o vídeo. 
  
CAMELOS TAMBÉM CHORAM    

Affonso Romano de Sant’Anna

Eu tinha lido que, lá na Índia, elefantes olhando o crepúsculo, 
às vezes 
choram. 

Mas agora está aí esse filme "Camelos também choram”. 
A gente sabe que porcos e cabritos quando estão sendo mortos 
soltam gemidos e berros dilacerantes. 
Mas quem mata galinha no interior nunca relatou ter visto lágrimas
 nos olhos delas. 
Contudo,  esse filme feito sobre uma comunidade de pastores de 
ovelhas e camelos, lá na Mongólia, mostra que os camelos choram,
 mas choram não diante da morte, mas em certa circunstância que
 faria chorar qualquer ser humano. 
 
E na plateia, eu vi, os camelos também choram.
 
É isto: eles vivem num deserto.
Terra árida, pedregosa.
Eles, dentro daquelas casas redondas de lona e madeira,
 que podem ser montadas e desmontadas.
Lá fora um vento permanente ou o assombro do silêncio 
e da escuridão. 
E as ovelhas e carneiros ali em torno, pontuando a
 paisagem e sendo a fonte de vida dos humanos.

Sucede, então, que a rotina é quebrada com o parto difícil
 de um camelinho.
Por isto, a mãe camela o rejeita.
O filho ali, branquinho, mal se sustentando sobre as pernas, 
querendo mamar e ela fugindo, dando patadas e indo
 acariciar outro filhote, enquanto o rejeitado geme e 
segue inutilmente a mãe na seca paisagem.

A família mongol e vizinhos tentam forçar a mãe camela a 
alimentar o filho. Em vão.
Só há uma solução, diz alguém da família, mandar chamar 
o músico.
Ao ouvir isto estremeci como se me preparasse 
para testemunhar um milagre.
 
E o milagre começou musicalmente a acontecer.

Dois meninos montam agilmente seus camelos 
e vão a uma vila próxima chamar o músico.
É uma vila pobre, mas já com coisas da modernidade, 
motos, televisão, e, na escola de música, dentro 
daquele deserto, jovens tocam instrumentos 
e dançam, como se a arte brotasse lindamente das pedras.

O professor de música, como se fosse um médico 
de aldeia chamado para uma emergência, 
viaja com seu instrumento de arco e cordas 
para tentar resolver a questão da rejeição materna.
Chega. E ali no descampado, primeiro coloca 
o instrumento com uma bela fita azul sobre 
o dorso da mãe camela. A família mongol assiste à cena.
Um vento suave começa a tanger as cordas do instrumento.
A natureza por si mesma harpeja sua harmônica sabedoria.
A camela percebe.
Todos os camelos percebem uma música 
reordenando suavemente os sentidos.
Erguem a cabeça, aguçam os ouvidos, e esperam.

A seguir, o músico retoma seu instrumento e 
começa a tocá-lo, enquanto a dona da camela
 afaga o animal e canta.
E enquanto cordas e voz soam, a mãe camela 
começa a acolher o filhote, empurrando-o docemente 
para suas tetas.
E o filhote antes rejeitado e infeliz, vem e mama, mama,
 mama desesperadamente feliz.
E enquanto ele mama e a música continua, a câmara
 mostra em primeiro plano que lágrimas desbordam
 umas após outras dos olhos da mãe camela, dando sinais
 de que a natureza se reencontrou a si mesma,
 a rejeição foi superada, o afeto reuniu num  todo 
amoroso os apartados elementos.

Os mongóis na cena constatam apenas mais um exercício
 de sua milenar sabedoria.
 Bem que os antigos falavam da terapêutica musical.
 Casos de instrumentos que abrandavam a fúria, 
curavam a surdez, a hipocondria e saravam até a mania
 de perseguição.

Bem que o pensamento místico hindu dizia que a vida 
se consubstancia no universo com o primeiro som
 audível - um ré bemol - e que a palavra só surgiria mais tarde.

Bem que os pitagóricos, na Grécia, sustentavam que
 o universo era uma partitura musical, que o intervalo
 musical entre a Terra e a Lua era de um tom  e
 que o cosmos era regido pela harmonia das esferas.

Os primitivos na Mongólia sabem disto.
Os camelos também. Mas nós, os pós-modernos 
cultivamos a rejeição, a ruptura e o ruído.

Haja professor de música para consertar isto.





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